segunda-feira, 21 de março de 2011

Beijo



    Quando eu era criança e morava no interior de Goiás, eu criava pombos. Criava galinhas também, mas os pombos eram mais livres, do chão onde as galinhas ciscavam eles alcançavam o telhado num voo fácil. Eu gostava muito deles, das cores variadas, de seus arrulhares ( que imitava perfeitamente) e até de seus feios filhotes despenados e com bicos desproporcionais. Mas o que eu mais gostava nos pombos eram os seus namoricos, adorava assistir as suas intimidades e eles não ligavam para o meu voyerismo.
    O casal ficava completamente concentrado em seus desejos, o macho estufava o peito, o pescoço se avolumava e aproximava da fêmea, que fazia movimentos leves com a cabeça e com seu bico coçava as penas debaixo de suas asas e as penas da cabeça do parceiro. O tempo que aquilo durava, parecia ser controlado pela fêmea pois o macho precisava convencê -la.
    O mais impressionante do ritual, eram que eles se beijavam na boca, ou melhor, no bico, não importa. Eles tinham seus olhos próximos e só depois do beijo a fêmea se abaixava e permitia que o macho a fertilizasse.
    Entendi tardiamente o porquê usavam figuras de pombinhos, nos antigos convites de casamento e referiam- se aos casais apaixonados como: "os pombinhos".
    Quando me mudei para São Paulo já pós-adolescente, a cidade era forrada de pombos. Eles eram diferentes dos meus, não tinham brilho nas penas, eram sujos e invasivos e as pessoas da cidade os detestavam, diziam que eram ratos com asas. Sinceramente naquela época eu tinha até vergonha de assumir que eu já havia criado pombos.
    Conheci uma mulher em São Paulo que também odiava aquelas aves e apesar dessa divergência nos tornamos amigos, passando então a compartilharmos momentos. Ela confidenciou-me que depois de quase trinta anos de casada se divorciou e igualmente aos pombos da minha infância, não se importou em partilhar comigo sua intimidade. Relatou-me que seu ex-marido não gostava de beijá-la na boca, mas fazia um "oral" como ninguém. Eu não conseguia entender aquilo, pois até os pombos se olhavam nos olhos antes de copularem.
    Enfim essa amiga acabou trocando aquele marido por outro, que segundo ela tinha um beijo quente e eu acabei concluindo que eram os pombos que sabiam amar.

                                                                                        Augusto

Um comentário:

  1. vc e seus escritos! a propósito to com inveja. vou levar meus pets para tirarem foto com vc tb! kkkkkk. bjs saudades.

    ResponderExcluir